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Educar para a diversidade e pelo fim do machismo

Sabemos que o machismo é um problema estrutural na sociedade. Que oprime, violenta e mata mulheres todos os dias no nosso país. A maioria das vezes ele já começa no ambiente familiar antes mesmo de nascermos, quando a família compra as primeiras roupas nas cores “rosa ou azul” e os primeiros brinquedos classificados pelo sexo da criança. Infelizmente, a escola que deveria ser um espaço democrático e inclusivo, que promovesse o debate sobre a sexualidade e as relações de gênero, são mais uma instituição de reprodução desta mesma lógica cruel. Portanto, ao pensarmos uma cidade das mulheres, temos o desafio de construir um programa educacional para a igualdade e respeito à diversidade, que combata os valores machistas e seja parte da construção de relações igualitárias.

A escola é um laboratório da nossa vida pública. E desde a educação infantil já há uma divisão sexista. Os brinquedos e brincadeiras são classificados de acordo com o sexo. Na grande maioria dos casos, os que promovem a criatividade, o raciocínio lógico e atividades físicas mais intensas são os masculinos. Às meninas cabem as atividades que reproduzem as tarefas domésticas ou que não atrapalhem a sua fragilidade. Nas aulas de educação física é comum o cerceamento dos espaços das meninas, que ficam relegadas somente a prática de alguns poucos esportes. Essa divisão reforça a ideia de que os meninos são mais aptos para as áreas exatas e das ciências, para postos de comando, enquanto as meninas tem mais “aptidão” para as questões organizativas. Essa lógica de divisão sexual desde a infância, vai conduzindo e construindo a futura divisão do trabalho profissional, intelectual e doméstico.

Em seguida as meninas já são sexualizadas tendo seus corpos objetivados, enquanto a sexualidade dos meninos é incentivada. Começa o debate sobre as roupas que as meninas podem e devem ir à escola, seu tamanho, decote e a intensão da menina que as usa, que é sempre de provocação, portanto, essas são culpabilizadas por qualquer assédio sofrido. Essa divisão sexista do acesso ao conhecimento, de limitação e condicionamento do comportamento feminino, é muito prejudicial. Mina a autoconfiança e a autoestima das meninas, em uma fase fundamental que deveria ser de incentivo e desenvolvimento livre. Do ponto de vista do assédio, é ainda mais grave, pois forma mulheres educadas à submissão, à culpa e ao silêncio ao assédio. No caso dos meninos essa formação também é nefasta. Pois os forma reprimidos quanto aos seus sentimentos ou tratados de forma semelhante aos animais irracionais Nas palavras da filósofa Marcia Tiburi, “os homens que são reduzidos a algo como “animais bestiais potencialmente violentos”, a “idiotas sem limites”, cuja violência e idiotice pode irromper a qualquer momento quando venham a deparar-se com um shorts pela frente.”

A escola que deveria coibir o assédio e educar para o respeito à diversidade acaba não cumprindo essa função. Nos livros didáticos não encontramos a representação feminina. Os professores não possuem uma formação adequada, e muitas vezes corroboram com o machismo com comentários sexistas. A parte pedagógica, também despreparada, não é vista como um espaço de acolhimento. As direções, muitas vezes, assinam embaixo da opressão de conjunto. Não são poucos os casos de meninas que são constrangidas e mandadas pra casa devido ao tamanho do shortinho, ou são discriminadas quando ocorre uma gravidez ainda na fase adolescente.

Em 2014 tivemos a possibilidade de avançarmos muito nesse debate, quando tramitou no Congresso Nacional o PNE (Plano Nacional de Educação), que ditou as diretrizes e metas da educação para os próximos dez anos. Porém, por pressão das bancadas religiosas, a questão de gênero foi retirada do texto com o argumento de que estava criando uma “ideologia de gênero”, deturpando os conceitos de homem e mulher da família tradicional brasileira. Um verdadeiro absurdo. Quando a discussão passou para as Assembleias Legislativas dos Estados e para as Câmaras Municipais, afim de serem aprovados os Planos Estaduais e Municipais de Educação, o debate se repetiu e ao mesmo passo em que se acirrou. Houve protestos em plenários de todo o Brasil. Estudantes, educadores, movimentos sociais feministas e LGBTs se mobilizaram para evitar o que acabou se tornando um dos maiores retrocessos nesse quesito. As partes que tratavam de identidade de gênero, igualdade, sexualidade e orientação sexual nas escolas foram removidas de praticamente a totalidade dos planos educacionais.

Porém, mulheres de todas as idades estão cada vez mais ocupando a política. E ocupando para ficar. Vimos a Primavera Feminista tomar conta das ruas das mais diversas cidades para chamar o Fora Cunha. Nas redes sociais várias foram as manifestações contra o machismo e a opressão. “Ninguém merece ser estuprada”, “Meu amigo secreto”, “Meu professor abusador”. As diversas ocupações de escola em defesa da educação, que começaram ano passado em São Paulo derrotando o fechamento de escolas, e que hoje se espalham pelo restante do país, tem na linha de frente muitas meninas empoderadas lutando por seus direitos. A luta pela autonomia em relação ao seu próprio corpo, por usarem shortinhos e serem respeitadas também é contagiante. O efeito exemplo da mobilização e da auto organização das mulheres está em uma crescente. As meninas não vão mais retroceder e a escola precisa se atualizar.

Uma cidade das mulheres precisa de uma educação contra o machismo. O Estado brasileiro é laico, ou seja, é imparcial quanto à religião, sem discriminar e nem incentivar. Ou deveria ser.

Logo, as escolas públicas e a educação de conjunto também. Portanto, é papel da escola educar para o respeito à diversidade. Combater cotidianamente o machismo. Trabalhar a sexualidade de forma franca, igualitária e informativa. Estimulando, desde os primeiros anos escolares, que todas as crianças brinquem juntas e se sintam acolhidas. Também incentivar todas as áreas do conhecimento sem distinção de gênero, apoiando o empoderamento das meninas a partir de papéis de liderança, que sensibilize os meninos ao respeito. Isso inclui educar os meninos que a sensibilidade, organização e demais características ditas “femininas” também são importantes para a sua formação enquanto indivíduo. Para que isso ocorra é fundamental que o machismo seja tema de formação continuada de professores, que haja a formulação de novos livros didáticos onde a representação das mulheres esteja presente, orientação pedagógica capacitada pra promover os debates, acolhimento e auxilio aos pais e familiares. Mas muito mais que isso, é fundamental que as meninas sigam mobilizadas e ocupando cada vez mais as escolas, as ruas e a política.

Algumas propostas:

  1. Garantir a formação continuada e sistemática dos educadores/as , na busca de uma educação de qualidade contemplando as temáticas dos direitos humanos, machismo, sexualidade e gênero.

  2. Fiscalização quanto ao cumprimento de todas as leis dos Direitos da Mulher, da Diversidade de gênero e Sexualidade, da Diversidade e inclusão nos processos educativos.

  3. Ter ações preventivas ao assédio de forma articulada com as Secretarias Municipais de Educação e Secretaria da Mulher e de gênero nas cidades que houverem,

  4. Implantar, viabilizar e garantir a melhoria das condições materiais e pedagógicas, qualificando o atendimento às mulheres na rede educacional, com ações para diminuir os índices de evasão devido ao machismo.

  5. Introduzir e garantir a discussão de gênero e diversidade sexual na formação inicial e continuada dos professores/as, com verbas garantidas e calendário estruturado visando um debate amplo e democrático rumo a alteração do currículo do ensino básico, ao estudo de gênero e sexualidade.

  6. Criar um aplicativo para denúncias de assédios ou mesmo notificações de correções necessárias nos livros e materiais didáticos que veicule qualquer tipo de opressão e discriminação.

  7. Garantir a política de produção e distribuição de materiais pedagógicos que promovam a igualdade de gênero, o respeito à diversidade e o combate ao machismo.

  8. Garantir no Projeto Político Pedagógico das escolas o combate ao machismo, a opressão de gênero e que promova o debate de respeito à diversidade de gênero e sexualidade de forma franca e libertária.

  9. Garantir verba pública e criar programas de combate ao assédio, machismo e todas as formas de opressão em diferentes mídias em parceria com os movimentos sociais que trabalhem com essas temáticas.

  10. Garantir que seja respeitado o direito a auto-organização e ao próprio corpo das meninas, coibindo que ações sexistas, machistas e discriminatórias ocorram dentro das escolas.

Referência: http://revistacult.uol.com.br/home/2015/09/educacao-para-o-machismo/

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